O risco de um mundo sem florestas tropicais e o surgimento das TFFF
Um mundo sem florestas tropicais, com rios secando e calor extremo, além de produções em colapso não é uma ficção científica distante, mas um risco real para a nossa geração/ O futuro do clima global, da comida que chega até o seu prato à força da economia mundial, pode depender de algo que ainda tratamos como secundário: a preservação das florestas tropicais.
As florestas tropicais, como a Amazônia, o Congo e Bornéu, são os “pulmões do planeta”, responsáveis por regular ciclos hídricos, estocar carbono em escala massiva e abrigar a maior biodiversidade conhecida. Ao mesmo tempo, essas regiões enfrentam crescente pressão de atividades predatórias, como o desmatamento ilegal, a expansão agropecuária e a mineração intensiva.
Nesse contexto, surge o Tropical Forests Forever Facility (TFFF), uma iniciativa do governo brasileiro lançada em fóruns internacionais em 2023 e 2024, com previsão de destaque na COP30, em Belém, neste ano (2025).
O objetivo da iniciativa é estruturar um fundo patrimonial (endowment) da ordem de US$ 125 bilhões, capaz de remunerar países tropicais pela preservação de suas florestas, de modo estável e previsível. Trata-se de um mecanismo inovador, inspirado em experiências como o Fundo Amazônia e em iniciativas multilaterais, mas que busca ir além, transformando a conservação florestal em ativo econômico global.
Com este artigo, pretende-se analisar o TFFF em 4 eixos distintos: sua concepção e importância, o enquadramento normativo e alinhamento com a agenda ESG, as estratégias de investimento sustentável, a avaliação de resultados e desafios frente às pressões econômicas e políticas, e, por fim, seu papel na geopolítica climática contemporânea.
Assim, busca-se demonstrar que o fundo não é apenas um instrumento financeiro, mas uma ferramenta estratégica de transição ecológica, justiça climática e diplomacia ambiental.

Fundamentos normativos e alinhamento à agenda ESG
O projeto do Tropical Forests Forever Facility (TFFF) não surge como uma iniciativa isolada, mas se ancora em um conjunto robusto de compromissos internacionais e normas nacionais que dão legitimidade à sua implementação. Para compreender seu alcance, é preciso examinar tanto o plano jurídico internacional quanto o contexto normativo doméstico e como ambos se conectam à lógica da agenda ESG.
O enquadramento internacional
Na esfera internacional, a iniciativa dialoga de forma direta com o Acordo de Paris, de 2015, que teve como meta limitar o aquecimento global a bem abaixo de 2°C, preferencialmente 1,5°C. Nesse tratado, os países desenvolvidos assumiram a obrigação de mobilizar US$ 100 bilhões anuais para apoiar nações em desenvolvimento na mitigação e adaptação climática.
O TFFF surge como uma evolução desse compromisso: ao invés de repasses pontuais e fragmentados, propõe a criação de um fundo perene de endowment, cujo rendimento seja direcionado à manutenção de florestas tropicais, responsáveis por absorver cerca de um terço das emissões globais de carbono.
Adicionalmente, o fundo também se alinha à Agenda 2030 da ONU e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em especial o ODS 13 (Ação contra a mudança global do clima) e o ODS 15 (Vida terrestre). A lógica é simples: sem financiamento contínuo e previsível, a conservação de florestas tropicais se torna refém de ciclos políticos e de pressões econômicas locais.
Arcabouço jurídico nacional
Na esfera nacional, o arcabouço brasileiro começa no texto constitucional, visto que o artigo 225 da Constituição Federal assegura a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público o dever de defendê-lo, e o artigo 170 inclui a defesa do meio ambiente entre os princípios da ordem econômica. Assim, qualquer política pública, inclusive um fundo internacional de financiamento florestal, encontra respaldo direto nesses dispositivos.
Além do respaldo constitucional, iniciativas como o Fundo Amazônia, criado em 2008 e gerido pelo BNDES, funcionam como antecedentes normativos e institucionais que reforçam a viabilidade do TFFF. O Fundo Amazônia já provou, na prática, que é possível estruturar mecanismos financeiros internacionais baseados em resultados de conservação, com critérios de governança e auditoria reconhecidos globalmente. O TFFF, entretanto, pretende ir além ao propor um modelo permanente, atrelado ao conceito de pagamento contínuo por hectare preservado, garantindo maior previsibilidade e estabilidade do fluxo de recursos.
Alinhamento com a agenda ESG
Por fim, o alinhamento do TFFF com a agenda ESG reforça sua relevância estratégica. No pilar ambiental, o fundo viabiliza métricas objetivas de redução de emissões e conservação da biodiversidade. No pilar social, incentiva o envolvimento de comunidades locais na gestão sustentável dos territórios, criando oportunidades de inclusão econômica. Já no pilar de governança, exige transparência, prestação de contas e monitoramento constante, características que ampliam a confiança de investidores e parceiros internacionais. Assim, o TFFF consolida-se como uma iniciativa que não apenas responde a compromissos normativos, mas também se integra às práticas contemporâneas de sustentabilidade e responsabilidade corporativa.
O diferencial do TFFF está em suas estratégias de investimento sustentável, não se tratando apenas de repassar recursos, mas de criar incentivos duradouros para transformar a lógica de desenvolvimento dos países tropicais. Entre as principais estratégias, destacam-se:
- Conservação florestal: pagamentos proporcionais à área de floresta mantida em pé, estimulando políticas públicas de proteção.
- Restauração de áreas degradadas: incentivo a projetos de reflorestamento com espécies nativas e recuperação de serviços ecossistêmicos.
- Manejo florestal sustentável: apoio a cadeias produtivas de produtos florestais não madeireiros (açaí, castanha, borracha), integrando comunidades locais.
- Tecnologia e inovação: financiamento a sistemas de monitoramento via satélite e uso de blockchain para rastreabilidade de cadeias produtivas.
- Mercado de carbono: articulação com sistemas regulados e voluntários, garantindo que a preservação seja reconhecida em créditos de carbono de alta integridade.
Além disso, o TFFF adota critérios de impact investing, exigindo indicadores claros de resultado. Não basta declarar metas: os países beneficiários devem comprovar, com base em dados auditáveis, a manutenção das florestas. Isso responde a uma crítica frequente contra fundos ambientais: o risco de greenwashing.
Resultados esperados e desafios encontrados
Do ponto de vista dos resultados, o TFFF pretende oferecer estabilidade financeira de longo prazo a países tropicais, permitindo que governos planejem políticas de conservação sem a constante incerteza sobre repasses internacionais.
No entanto, esse modelo definitivamente não está isento de desafios! O primeiro deles é político: a constituição de um fundo de US$ 125 bilhões exige compromissos firmes de países desenvolvidos, que historicamente não têm cumprido integralmente as metas de financiamento climático assumidas desde o Acordo de Paris. A adesão efetiva dependerá de negociações diplomáticas intensas, em um cenário em que interesses geopolíticos frequentemente se sobrepõem à urgência climática.
O segundo desafio é técnico: será necessário desenvolver metodologias confiáveis de monitoramento, reporte e verificação (MRV) que garantam a integridade dos resultados. Sem dados auditáveis e transparentes, o fundo corre o risco de perder credibilidade, tornando-se alvo de críticas sobre possíveis práticas de greenwashing.
Outro aspecto sensível diz respeito às pressões econômicas internas dos países tropicais. Biomas como a Amazônia e o Congo convivem com demandas legítimas por desenvolvimento econômico, especialmente em setores como agronegócio, mineração e infraestrutura.

Conclusão: TFFF como catalisador da agenda ESG e da justiça climática
O TFFF, portanto, precisa ser estruturado de modo a compatibilizar conservação e inclusão produtiva, canalizando recursos para alternativas sustentáveis de geração de renda. Nesse ponto, o fundo pode desempenhar papel crucial na valorização de cadeias produtivas florestais e na inclusão socioeconômica de comunidades tradicionais, convertendo a proteção ambiental em motor de desenvolvimento.
Por fim, é preciso destacar a dimensão simbólica do TFFF, pois ao transformar a floresta em ativo econômico global, o fundo inaugura uma nova narrativa: manter a floresta em pé deixa de ser custo e passa a ser oportunidade.
Essa mudança de percepção é essencial para atrair investidores, sensibilizar governos e engajar a sociedade civil. Se for capaz de entregar resultados mensuráveis e de promover inclusão social, o TFFF poderá se consolidar como um marco na transição para um modelo de desenvolvimento que respeita os limites planetários.
Dessa forma, o TFFF deve ser compreendido como mais do que um mecanismo de financiamento, mas sim como um catalisador da agenda ESG, articulando pilares ambientais, sociais e de governança em escala global. Seu sucesso ou fracasso não impactará apenas os países detentores de florestas tropicais, mas a própria viabilidade da luta contra as mudanças climáticas. Afinal, sem a preservação desses biomas, não há futuro sustentável possível!

REFERÊNCIAS
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