Influência legítima como expressão da democracia participativa
É indiscutível que estamos vivendo em um cenário de crescente valorização da ética pública e da integridade corporativa, cuja fronteira entre influência legítima e tráfico de influência tornou-se uma das questões mais relevantes para quem atua em Relações Institucionais e Governamentais (RIG).
De um lado, a representação de interesses é inerente à democracia participativa, em que as empresas, associações e organizações da sociedade civil têm o direito de dialogar com o Estado e contribuir para a formulação de políticas públicas. De outro, o uso indevido da influência para obtenção de vantagens indevidas representa ilícito penal, administrativo e ético.
Este artigo tem como objetivo realizar uma análise sobre a linha jurídica que separa a atuação institucional legítima do ilícito penal, à luz do Direito Penal, da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), da Lei de Conflito de Interesses (Lei 12.813/2013) e dos parâmetros de integridade corporativa e compliance. Dessa forma, busca-se demonstrar que, mais do que criminalizar o diálogo entre Estado e iniciativa privada, é preciso institucionalizar a influência legítima, tornando-a transparente, ética e auditável.
No Brasil, o termo lobby ainda carrega uma carga pejorativa, frequentemente associada à corrupção. No entanto, em democracias consolidadas, como Estados Unidos e países da União Europeia, o lobby é considerado uma atividade legítima de representação de interesses, essencial ao processo democrático.
O Guia de Integridade para o Setor Público (CGU, 2021) define o lobby como atividade legítima de representação de interesses “desde que pautada pela transparência, isonomia e ausência de benefícios indevidos”.
No modelo norteamerciano, por exemplo, o Lobbying Disclosure Act (1995) exige registro público e relatórios periódicos das atividades de lobby. A União Europeia, por sua vez, através do Transparency Register, garante que qualquer cidadão saiba quem está tentando influenciar políticas públicas e com que objetivos.
Portanto, apesar de ainda não estar no mesmo nível das potências de primeiro mundo, o Brasil avança timidamente nessa direção. Um exemplo claro disso é o Decreto nº 11.501/2023, ao instituir o Cadastro de Representação de Interesses Federais, e as iniciativas da Controladoria-Geral da União (CGU), por meio do portal e-Agendas, representam um passo importante na construção de um modelo de interlocução pública transparente.
Importante ressaltar a evidente distinção de que o lobby atua à luz do dia, de forma pública e institucional, enquanto o tráfico de influência opera nas sombras, buscando benefício pessoal e indevido.

Enquadramento penal e critérios de classificação
Nesse sentido, o ordenamento jurídico, no artigo 332 do Código Penal, define o tráfico de influência como: “Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função.”, com pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa.
Esse tipo penal busca proteger a moralidade administrativa e a confiança social na imparcialidade do Estado, sendo considerado crime formal, consumando-se com a simples solicitação ou promessa de vantagem, ainda que a influência não se concretize.
A doutrina penal é clara ao distinguir o exercício legítimo da representação institucional do tráfico de influência por meio de 3 grandes pontos principais: finalidade, transparência e vantagem indevida. De forma objetiva, na prática, seria o seguinte:
- Finalidade: o lobby visa influenciar políticas públicas em benefício de setores ou da coletividade; o tráfico busca lucro ou vantagem individual.
- Transparência: o lobby é documentado e ocorre dentro de canais institucionais; o tráfico de influência se dá de modo oculto.
- Vantagem indevida: o tráfico pressupõe pagamento ou promessa de pagamento; a representação legítima se baseia em argumentação técnica e pública.
Como explica Cezar Roberto Bitencourt (2023), “o núcleo da ilicitude está na comercialização da influência e não na influência em si, que pode ser legítima quando exercida com transparência e finalidade pública”. E essa diferenciação é fundamental para proteger tanto o interesse público quanto a atuação ética de profissionais de relações governamentais.
Conflito de interesses e salvaguardas ético-jurídicas
Entre a influência legítima e o ilícito penal existe uma área cinzenta: o conflito de interesses. A Lei nº 12.813/2013 disciplina as situações em que o exercício de atividades privadas pode afetar a imparcialidade do servidor público ou ex-servidor, com o objetivo de evitar que informações privilegiadas, obtidas durante o exercício do cargo, sejam utilizadas em benefício privado (o chamado revolving doo)r.
O art. 5º da referida lei proíbe expressamente que ex-agentes públicos prestem serviços a pessoas físicas ou jurídicas com quem tenham mantido “relacionamento relevante” em razão do cargo, além de exigir um período de quarentena, geralmente de seis meses, antes que possam atuar em empresas que mantêm relações com o órgão em que trabalharam. Esse tipo de norma é essencial para preservar a integridade das decisões públicas e prevenir o uso indevido de redes de influência.
Sob a ótica da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992, com alterações da Lei 14.230/2021), o conflito de interesses pode configurar violação aos princípios da legalidade e da moralidade, mesmo sem enriquecimento ilícito. Para o profissional de RIG, isso significa que qualquer interação com o poder público deve ser mediada por critérios de transparência, rastreabilidade e equidade de acesso.
Outrossim, a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) representa um divisor de águas na regulação das relações entre empresas e o Estado, pois prevê responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas por atos lesivos à administração pública, ela reforça a importância dos programas de integridade.
No campo das relações governamentais, toda interação com o setor público deve ser conduzida de forma documentada, auditável, rastreável e proporcional. Isso significa que as reuniões precisam ter registros formais, com agendas e atas devidamente arquivadas; as comunicações devem ser passíveis de verificação e auditoria; os representantes precisam estar claramente identificados, de modo a assegurar transparência sobre quem defende quais interesses; e, sobretudo, é necessário evitar qualquer concessão de vantagens indevidas, ainda que simbólicas.

O desafio de institucionalizar a influência legítima no Brasil
Nesse contexto, empresas e associações comprometidas com a integridade têm desenvolvido códigos de conduta específicos para RIG, incorporando políticas de hospitalidade, regras de gestão de conflitos de interesse e canais de denúncia, de forma a garantir que o diálogo institucional ocorra dentro dos parâmetros éticos e legais.
Em síntese, a falta histórica de uma lei geral que regulamente o lobby no Brasil tem contribuído para a confusão entre a influência legítima e o tráfico de influência. Assim, o desafio que se impõe não é eliminar a influência, mas qualificá-la. Afinal, quando exercido com ética e transparência, o lobby é instrumento de aperfeiçoamento democrático e de formulação de políticas públicas mais representativas.

Referências
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
BRASIL. Lei nº 12.813, de 16 de maio de 2013. Dispõe sobre o conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo Federal.
BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas por atos contra a administração pública.
BRASIL. Decreto nº 11.129, de 11 de julho de 2022. Regulamenta a Lei Anticorrupção.
BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
BRASIL. Decreto nº 11.501, de 30 de maio de 2023. Institui o Cadastro de Representação de Interesses Federais.
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO (CGU). Guia de Integridade para o Setor Público. Brasília, 2021.
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Lobbying and Integrity in Latin America: Building Transparent and Inclusive Decision-Making Processes. Paris: OECD Publishing, 2023.
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2022.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2023.