Compartilhe

Lobby da indústria fóssil e os dilemas da transição energética

Histórico e contextualização

Desde a primeira Revolução Industrial, a demanda por energia se tornou um dos maiores desafios do ser humano. As piores crises econômicas das últimas décadas foram desencadeadas por crises de fontes de energia, como as crises do petróleo nos anos 1970. Para além disso, a demanda por energia vem crescendo vertiginosamente, posto que inovações tecnológicas como inteligência artificial, demandam cada vez mais energia elétrica. Todo esse complexo cenário, aliado às necessidades globais de sustentabilidade, indicaria a necessidade de uma transição energética rápida, que fugisse de fontes não-renováveis (em especial as fósseis), para fontes de energia limpa.

Esse processo, no entanto, vem sendo lento, na medida em que a indústria fóssil tem moldado políticas climáticas, atrasando transições energéticas, e consequentemente atuando junto à regulação internacional. 

Os combustíveis fósseis respondem por quase 90% das emissões de carbono no mundo atualmente. Como é sabido, as emissões de carbono são as grandes responsáveis pelo aumento do efeito estufa, e por conta disso, acordos internacionais buscam limitar essas emissões pelo mundo. O Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris são os mais conhecidos tratados internacionais que versam a respeito do tema.

Assinado em 1997 em Kyoto, no Japão, o Protocolo de Kyoto foi o primeiro tratado internacional a impor metas de redução de emissão de gases do efeito estufa. O Acordo de Paris, por sua vez, assinado em 2015, também traz metas para redução de gases do efeito estufa, mas, ao contrário de seu antecessor, as metas são realizadas por meio de políticas definidas pelos próprios Estados signatários. Talvez por isso, ele tenha sido rapidamente ratificado e tenha entrado em vigor logo em 2016.

No entanto, o sucesso da ratificação não foi suficiente para implementação de metas contundentes por seus signatários. Os Estados Unidos, por exemplo, se retiraram do acordo em 2017 durante o primeiro governo de Donald Trump. Voltaram ao acordo em 2021 sob a gestão Biden, e mais uma vez, se retiraram em 2025 quando nova ordem executiva do Presidente Trump impôs a retirada. Hoje, os Estados Unidos respondem pela maior taxa de emissão de CO2 per capita no mundo .

É necessário compreender que a indústria fóssil (aqui incluindo carvão, petróleo e gás natural) é responsável por quase 77% de todo consumo energético no mundo. Importante destacar que o consumo energético abrange evidentemente não apenas a produção de energia elétrica, mas também toda energia necessária para aquecimento e para transportes. Observa-se que de toda a energia produzida no mundo, 80% vão para a eletricidade e o aquecimento, enquanto 20% são voltados para transportes.

Os obstáculos gerados pela indústria fóssil à transição energética

A grande dificuldade global em se realizar a transição energética tem sido conseguir adotar tecnologias renováveis nos três setores. Para tanto, muito tem sido feito para aumentar a utilização de energia elétrica nos transportes com a eletrificação de frotas de veículos pelo mundo. Nota-se, no entanto, que não basta eletrificar as frotas, sendo essencial que se modifique também a matriz energética local. Não faz sentido utilizar um carro elétrico, se a energia criada para carregar sua bateria seja decorrente da queima de carvão ou petróleo.

Assim, já se descobriu que na realidade a energia produzida a partir de combustíveis fósseis, é, no longo prazo, problemática. São recursos não-renováveis, portanto, ainda que existam muitas fontes de combustíveis fósseis disponíveis no planeta, elas se tornarão mais e mais escassas, conforme o tempo passa. Adicionalmente, também já se sabe que a utilização de combustíveis fósseis também gera problemas graves ao meio ambiente. Desse modo, muitas iniciativas pelo mundo têm tentado encontrar alternativas viáveis ambiental e financeiramente, além de, sob o ponto de vista logístico, fazerem sentido.

Entretanto, por conta de barreiras financeiras e tecnológicas, a indústria fóssil consegue se manter ativa, demonstrando a necessidade global em sustentar energias de fontes não renováveis. Alterar (ou ao menos diminuir substancialmente) a matriz energética de 77% de toda energia global, é um processo que leva tempo e que custa muito dinheiro. Isso é um espaço aberto para que o lobby da indústria fóssil busque demonstrar que, ainda que seja necessária uma transição energética, ela precisará ocorrer de maneira lenta e muito gradual.

Os valores movimentados pela indústria fóssil são ainda impressionantes. Entre as quinze maiores empresas no mundo (de acordo com a receita anual), cinco delas são do setor de óleo e gás. Isso vale para o Brasil, com a Petrobras sendo a maior empresa brasileira de acordo com o seu faturamento. Para além disso, grande parte das grandes empresas voltadas à indústria fóssil tem grande participação de seus respectivos Estados, o que torna a separação entre empresa e governo quase que inexistente.

As relações governamentais e seu papel na regulação do setor

Milton Seligman e Fernando Mello apontam que a atividade de relações governamentais é inerente às relações entre empresas privadas, governos e cujos resultados ecoam na sociedade civil organizada. Desde que realizadas de maneira ética, elas são completamente legítimas, e as empresas devem, inclusive, possuírem seus próprios setores voltados às políticas públicas. As empresas precisam ainda possuírem instrumentos de compliance para evitar incorrer em práticas de corrupção.

Resta evidente que há uma complicada barreira em se separar a regulação da indústria fóssil. Ora, se as principais empresas do setor em nível global são empresas estatais (ou com grande participação estatal), como efetivamente separar os interesses do governo, da sociedade civil e das próprias empresas?

Trata-se de um complexo e possivelmente inócuo debate. Com tantos recursos na mesa, e uma economia cada vez mais globalizada e menos dependente dos membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, haja vista que entre os dez maiores produtores de petróleo no mundo, três (incluindo Estados Unidos, o maior produtor, e a China, o quinto) não são membros da OPEP, é natural que a indústria fóssil se mantenha viva e abrangente, especialmente considerando-se que seus principais atores globais, se confundam com os próprios Estados.

Entre os grandes produtores de petróleo, carvão e gás natural, encontram-se diversos países em desenvolvimento com economias que dependem bastante da produção e da exportação desses produtos. Como exemplo do petróleo, pode-se citar Venezuela, Nigéria e Angola. Para o gás natural, tem-se grande dependência econômica no Irã e na Argélia. E o carvão é essencial para a economia da África do Sul.

Nota-se que o fato de os países serem pouco desenvolvidos, aliado ao fato de que suas economias são largamente dependentes desses recursos demonstra que boa parte do desenvolvimento dessas regiões ainda se dá com recursos decorrentes da indústria fóssil. Hoje, de acordo com o Banco Mundial, o país com maior crescimento econômico no mundo, é a Guiana com um crescimento impressionante de mais de 43% de seu PIB em 2024, graças à produção de petróleo.

Com exemplos como o de nosso vizinho, fica claro que a indústria fóssil ainda consegue amealhar muito dinheiro, deixando complicado o terreno para a transição energética. Aliado a isso, o lobby da indústria fóssil também busca demonstrar que todas essas riquezas produzidas podem orientar a produção energética para matrizes sustentáveis. No entanto, para que isso aconteça, as regulamentações globais precisam ser menos rígidas, razão pela qual o lobby da indústria fóssil tem conseguido afrouxar regras mundo afora. 

A União Europeia, por exemplo, havia determinado por meio de seu Pacto Ecológico Europeu, em 2019, que até 2030 não deveriam mais ser emplacados carros com motores a combustão. Essa diretiva já foi afrouxada, e agora os membros do bloco precisarão atingir essa meta até 2035. 

Conclusões e prognósticos para a transição energética

O Brasil, como sede da COP30, e como parte de seu posicionamento global em prol de um desenvolvimento sustentável, tem tentado capitanear políticas que visem à diminuição das emissões de carbono na produção de energia. Atualmente, mais da metade da matriz energética brasileira é renovável, um excelente índice em termos globais. Na produção de energia elétrica em 2024, o Brasil utiliza aproximadamente 85% de fontes renováveis, contra menos de 30% no mundo.

Além disso, o país tem promovido políticas para diminuição das emissões de carbono em outras instâncias, como a obrigatoriedade de utilização de 30% de etanol na mistura da gasolina, e a utilização de 15% de biodiesel no óleo diesel vendido no Brasil. O aumento de combustíveis mais limpos diminui as emissões de carbono, fazendo com que a matriz energética brasileira seja cada vez mais verde.

Ressalta-se, no entanto, que o processo – mesmo no Brasil – é gradual. A indústria fóssil possui ainda muitos instrumentos – especialmente financeiros e políticos – para conseguir guiar as políticas globais de sustentabilidade. Além disso, a produção de energia tem se mostrado mais eficiente, de modo que os argumentos de emissão de carbono têm perdido terreno. Ao eletrificar a frota de carros, a China desloca a pressão dos carros para as usinas de energia elétrica, bem menos visíveis ao mundo como um todo. Assim, podem manter seus 80% de eletricidade baseada em combustíveis fósseis, mas aos olhos do globo, estão lutando para favorecer a transição energética.

De todo o exposto, resta claro que para efetivamente se realizar uma transição energética para fontes limpas e renováveis, é necessário que isso seja produtivo e eficiente do ponto de vista econômico. A sociedade moderna – em que pese visualizar os efeitos climáticos do aquecimento global – ainda não consegue visualizar suas necessidades a longo prazo, de modo que a indústria fóssil ainda é capaz de manipular o discurso para criar políticas regulatórias favoráveis aos seus interesses. 

Referências

SELIGMAN, Milton; MELLO, Fernando. Lobby Desvendado: Democracia, políticas públicas e corrupção no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Record, 2018. p. 232-233.

GLOBAL CARBON BUDGET. Global Carbon Budget. Disponível em: https://globalcarbonbudget.org/. Acesso em: 10 set. 2025.

OUR WORLD IN DATA. CO₂ and Greenhouse Gas Emissions. Disponível em: https://ourworldindata.org/co2-emissions. Acesso em: 10 set. 2025.

FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL (FMI). Guyana and the IMF. Disponível em: https://www.imf.org/en/Countries/GUY. Acesso em: 10 set. 2025.

EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA (EPE). Balanço Energético Nacional Interativo. Disponível em: https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/ben-interativo. Acesso em: 10 set. 2025.

Acompanhe de perto as novidades

Inscreva-se na nossa newsletter e receba todos os artigos em primeira mão!